Desrespeito aos direitos humanos zera redação do Enem; veja principais dicas
Por Hilza Cordeiro
Para a edição do vestibular deste ano, o Inep reformulou as cartilhas de redação, inserindo novas informações, como a obrigatoriedade do novo acordo ortográfico
Expor uma ideia, argumentar sob um ponto de vista e propor uma intervenção para o problema social apresentado são as exigências básicas na produção de uma redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Cada vez mais exigente, a prova não quer somente uma mera apresentação de ideias, mas a elaboração de uma proposta de mudança da situação que também respeite os direitos humanos.
Para a edição do vestibular deste ano, o Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pelo exame, reformulou as cartilhas de redação dos anos de 2012 e 2013, inserindo novas informações, como a obrigatoriedade do novo acordo ortográfico, explicações mais específicas sobre a questão dos direitos fundamentais e uma melhor caracterização de fuga do tema proposto, utilizando exemplos de erros cometidos pelos participantes em edições anteriores.
Intervenção
Conforme o novo manual, essas informações foram adicionadas porque os temas da redação começaram a levantar maiores discussões sobre os direitos humanos, principalmente em 2014 e 2015, quando foram abordadas a publicidade infantil e a violência contra a mulher no país. Dona de 960 pontos na redação do último ano — perto da nota máxima, que é 1.000 —, Adrielle Caldas, 19 anos, estudante de Psicologia na Universidade do Estado da Bahia (Uneb) fez um texto propondo a promoção de campanhas de conscientização a respeito da agressão às mulheres e a criação de centros de apoio às vítimas. “Minha nota na redação foi definitiva no meu ingresso na faculdade”, avalia a futura psicóloga.
“Minha nota na redação foi definitiva no meu ingresso na faculdade. (…)
Principal dica é ser a favor da vida”, Adrielle Caldas, estudante que tirou 960 na redação do Enem
Para o professor de Redação Neldo Neto, do Análise Vestibular, “o que mais separa o aluno da boa nota é a intervenção”. Esta é a quinta das cinco competências exigidas na elaboração do texto dissertativo-argumentativo e a que mais complica a vida dos candidatos, segundo o professor.
Ele explica que o Enem requer do candidato uma proposta de intervenção relacionada ao tema e articulada à discussão desenvolvida no texto. Tudo isso, claro, respeitando os princípios dos direitos humanos, sob pena de a redação ser anulada “Qualquer forma de cerceamento de liberdade caracteriza censura, mas a gente vê que alguns alunos acabaram ferindo esse direito inconscientemente”.
Não à toa, lembra a revisora de textos Ena Lélis, do site Redação Nota Dez, a quinta competência, em geral, é a que apresenta a média mais baixa após as correções. “Os temas do Enem trazem problemas de caráter social e, ao pedir uma proposta de intervenção, a instrução já deixa claro que o candidato deve optar pela conclusão do tipo solução, e não do tipo resumo, por exemplo. Desse modo, ao propor uma solução, o candidato deve fazê-lo com respeito aos direitos humanos”, explica.
Anuladas
No último exame, quase 10 mil redações foram anuladas por desrespeitarem os direitos humanos. A atual cartilha do Inep traz exemplos de frases que levaram à nota zero por não proporem soluções de acordo com os princípios. Os candidatos sugeriram, por exemplo, que os violentadores de mulheres fossem “massacrados na cadeia” e que “deveriam ser castrados”. Segundo o manual, a pena foi aplicada porque os alunos defenderam a “justiça com as próprias mãos” e não atribuíram o papel da punição ao Estado.
Nas correções, os professores consultados pelo CORREIO relatam situações semelhantes em aula. “Recentemente, corrigi uma redação na qual o aluno sugeria que, uma vez que as mulheres querem ser donas dos próprios atos, devem ser responsáveis pelas consequências de saírem seminuas ou beberem em excesso. Isso é um exemplo de desrespeito aos direitos da mulher”, expõe a revisora.
Redação deve respeitar direitos fundamentais desde 2013
O respeito aos direitos fundamentais passou a ser obrigatório no Enem de 2013, um ano após a publicação das Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. A publicação foi uma parceria entre a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) e o Ministério da Educação (MEC) para orientar as escolas a promoverem a prática de ensino dos princípios da dignidade humana, da igualdade de direitos, do reconhecimento e da valorização das diferenças. Além disso, determina que sejam observadas a laicidade do Estado, a democracia, a sustentabilidade socioambiental, entre outros.
O professor de Direito da Universidade Tiradentes (Unit) Ilzver de Matos Oliveira, especialista em Direitos Humanos, acredita que o número de redações anuladas deixou explícito que é recorrente a violação dos direitos humanos na sociedade.
“Os discursos de ódio são reforçados quando não temos a delimitação entre o que é liberdade de expressão e o que é violação de direitos. No nosso país, as questões que envolvem a diversidade étnica, religiosa, regional e de gênero são as principais desrespeitadas”, explica.
Ainda conforme o professor Ilzver, mesmo com a aplicação das diretrizes, não houve alteração na matriz curricular das escolas e a educação para os direitos humanos parte, muitas vezes, de iniciativas individuais dos próprios professores.
A estudante de Psicologia da Uneb Adrielle Caldas conta que seu principal pensamento na hora de propor a intervenção foi “ser a favor da vida”. Segundo ela, a orientação que os professores costumavam passar em sala era “esquecer as opiniões próprias e ir de acordo com os direitos humanos”.
Para o professor de Redação Israel Mendonça, do Cursinho Grandes Mestres, as escolas de ensino médio não preparam o aluno para o entendimento do respeito aos direitos humanos. “Eles têm as matérias de sempre, como Matemática, Física, mas não têm aulas interdisciplinares ou palestras que ajudem a ter uma visão mais humana e social da vida. Essa cartilha deve obrigar os colégios a mudar, desenvolvendo a solidariedade”, espera.
Tanto Israel quanto o professor Neldo Neto acreditam que a valorização de disciplinas como Filosofia e Sociologia podem promover uma mudança cultural nesse sentido. “O nosso sistema não permite inter-relações. A aula de Matemática acaba e vem a de História. A redação requer interdisciplinaridade”, concorda Neldo.
COMPETÊNCIAS QUE DEVEM SER DESENVOLVIDAS PARA CONSEGUIR MAIOR PONTUAÇÃO NA PROVA DO ENEM
1 – Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa
200 pontos Demonstra excelente domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa e de escolha de registro. Desvios gramaticais ou de convenções da escrita serão aceitos somente como excepcionalidade e quando eles não caracterizarem reincidência
160 pontos Demonstra bom domínio da modalidade escrita formal da língua e de escolha de registro, com poucos desvios gramaticais
120 pontos Demonstra domínio mediano da escrita formal da língua, com alguns desvios gramaticais e de convenções da escrita
80 pontos Demonstra domínio insuficiente da modalidade escrita formal da língua, com vários desvios gramaticais e de convenções da escrita
40 pontos Demonstra domínio precário da modalidade escrita formal da língua, de forma sistemática, com diversificados e frequentes desvios gramaticais
0 ponto Demonstra desconhecimento da modalidade escrita formal da língua
2 – Compreender a proposta e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo
200 pontos Desenvolve o tema por meio de argumentação consistente, a partir de um repertório sociocultural produtivo e apresenta excelente domínio do texto dissertativo-argumentativo
160 pontos Desenvolve o tema com argumentação consistente e bom domínio do texto, fazendo proposição, argumentação e conclusão
120 pontos Desenvolve o tema por meio de argumentação previsível e apresenta domínio mediano do texto
80 pontos Desenvolve o tema recorrendo à cópia de trechos dos textos motivadores ou apresenta domínio insuficiente do texto, não atendendo à estrutura com proposição, argumentação e conclusão
40 pontos Apresenta o assunto, tangenciando o tema, ou demonstra domínio precário do texto
0 ponto Fuga ao tema ou não atendimento à estrutura: nota zero e redação é anulada
3 – Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões em defesa de um ponto de vista
200 pontos Traz informações, fatos e opiniões relacionados ao tema proposto, de forma consistente e organizada, configurando autoria, em defesa de um ponto de vista
160 pontos Apresenta informações, fatos e opiniões relacionados ao tema, de forma organizada, defendendo um ponto de vista
120 pontos Apresenta informações, fatos e opiniões relacionados ao tema, limitados aos argumentos dos textos motivadores e pouco organizados
80 pontos Apresenta informações relacionadas ao tema, mas desorganizadas ou contraditórios e limitadas aos textos motivadores
40 pontos Apresenta informações, fatos e opiniões pouco relacionados ao tema ou incoerentes e sem defesa de um ponto de vista
0 ponto Traz informações não relacionadas ao tema e sem defesa de ponto de vista
4 – Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação
200 pontos Articula bem as partes do texto dissertativo-argumentativo e apresenta repertório diversificado de recursos coesivos
160 pontos Articula as partes do texto com poucas inadequações e apresenta repertório diversificado de recursos coesivos
120 pontos Articula as partes do texto, de forma mediana, com inadequações, e apresenta repertório pouco diversificado de recursos coesivos
80 pontos Articula as partes do texto, de forma insuficiente, com muitas inadequações e apresenta repertório limitado de recursos coesivos
40 pontos Articula as partes do texto de forma considerada precária
0 ponto Não articula as informações durante o desenvolvimento do texto dissertativo-argumentativo
5 – Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos
200 pontos Elabora muito bem proposta de intervenção relacionada ao tema e articulada à discussão que desenvolve no texto
160 pontos Elabora bem proposta de intervenção relacionada ao tema e articulada à discussão feita no texto
120 pontos Elabora, de forma mediana, proposta de intervenção relacionada ao tema e articulada à discussão desenvolvida no texto
80 pontos Elabora, de forma insuficiente, proposta de intervenção relacionada ao tema, ou proposta não articulada com a discussão desenvolvida no texto
40 pontos Apresenta proposta de intervenção vaga ou apenas citada, precária ou relacionada apenas ao assunto
0 ponto Não apresenta proposta de intervenção ou apresenta proposta não relacionada ao tema ou ao assunto
Disponível no site do jornal Correio 24 horas.
Olá!
O que você achou deste conteúdo? Conte nos comentários.